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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

AINDA RUBEM ALVES

Nem bem acabo de postar uma crônica do Rubem e eis que ele escreve outro texto ótimo. 

Vou reproduzir aqui apenas um trecho que achei muito legal.




Música de antigamente...


O Cecílio, amigo querido, veio me visitar. Conversa vai, conversa vem, ele me contou sobre a sua empregada – governanta de sua casa – mulher madura, de poucas palavras, sempre séria e compenetrada. Pois um dia, precisando sair, o carro pifou justo na hora em que o marido dela tinha vindo buscá-la, ao final do dia de trabalho. Ele lhe ofereceu uma carona no seu carro que não era dos mais novos, oferecimento que o Cecílio alegremente aceitou. Antes da partida, o marido tirou um CD de dentro de uma caixa e o colocou no toca-cds.  O Cecílio se preparou para ouvir uma dupla sertaneja, música que não se afina bem com o seu gosto. Mas logo veio a surpresa e o seu rosto se encheu de espanto. O marido, percebendo o espanto, explicou: “Pois é, minha mulher acabou gostando daquelas músicas que o senhor escuta o dia inteiro. Curiosa, ela foi ver o nome: Vivaldi... Agora a gente anda de carro ouvindo Vivaldi... Como é bonito”. O Cecílio, sem querer e sem saber, educou. Na verdade, ele não educou. Foi a  governanta que se educou. Estava aberta. Acolheu o novo. E ficou transfigurada, mais bonita, mais rica. E acabou por educar o marido, que também começou a brincar com a música de Vivaldi. Agora, dentre as alegrias que eles tinham, eles tinham uma  outra, que nunca haviam experimentado e nem aprendido nas escolas. É, nas escolas não se ensina a gostar de Vivaldi...


(Rubem Alves)

2 comentários:

Mario disse...

Muito bonito.
Linda e verdadeira mensagem.
Pena que a realidade das nossas escolas continue tão longe disso.

Rosângela de Souza Goldoni disse...

Rubem sempre Rubem.
Passei por esta experiência com duas pessoas:
uma que trabalhou em minha casa por 17 anos e, a outra, sua irmã, comigo há 12 anos.
Posso até dizer que, quando abandonei o magistério, transformei minha casa numa escola.