"Amantes": filme belíssimo
Inácio AraújoAparentemente, "Amantes" não tem nada de mais. Lá está um rapaz meio perdido na vida a quem, de repente, se dá a oportunidade de um casamento com uma bela e simpática moça, o que seria, também, oportunidade para um negócio familiar (juntar as tinturarias dos respectivos pais).
Ao mesmo tempo, ele conhece uma vizinha por quem se apaixona imediatamente, talvez porque adivinhe que ela é tão frágil quanto ele.
Adivinhamos ou acreditamos adivinhar que nunca vai dar certo a história dele com a vizinha, porque eles são muito parecidos. Mas isso não importa, primeiro porque os filmes têm margens de imprevisibilidade, segundo porque o que importa é o encaminhamento do final, terceiro porque o que experimentamos é sempre o presente ("o cinema é presente, presente contínuo", dizia Robert Bresson).
Mas o que importa não é tanto a história. James Gray não cria personagens, mas pessoas, as cerca de um meio, de circunstâncias, de gostos, de detalhes. Por exemplo, a atitude da mãe em relação ao filho, que vai da proteção extrema à investigação: tudo sem palavras.
Os atores não são estrelas. Você olha Gwyneth Paltrow e não vê alguém que diz "eu vou interpretar uma girl next door". Você vê a girl next door. Isso para não falar do Joaquin Phoenix, que está excepcional.
Uma coisa a notar: nada explica nada. Isso é algo muito fora da convenção. No início, existe uma tentativa de suicídio e a constatação de que o rapaz (Phoenix) não tomou seu remédio para transtorno bipolar. Ora, veremos depois que isso não tem nada a ver com a maneira como ele se comporta.
O comportamento da Gwyneth também não se explica pelas experiências que vemos no filme. Quando tudo leva a pensar que ela vai fazer uma coisa, faz completamente o contrário, quer dizer, algo muito parecido com o que acontece na vida e, raramente, no cinema.
Porque o cinema tem se tornado um espetáculo onde vamos à espera de ver cinema, e não seres humanos. Então nos deparamos com convenções cinematográficas a cada esquina.
Vale a pena dar uma olhada no final. Parece que James Gray vai se afundar na retórica, no "gran finale". Parece que vai, enfim, "fazer cinema". Nada disso. Ele nos leva até a borda do abismo e sai dali com uma elegância exemplar. É um alto e comovente melodrama, um desses filmes que ver causa uma alegria enorme.
(Inácio Araújo é crítico de cinema do jornal Folha de S.Paulo)
Um comentário:
Renato
Parece que o nacional "À Deriva", que fez sucesso em Cannes, também vale a pena conferir. A crítica tem sido bastante favorável.
Mario
Postar um comentário